Foi um parto longo, atípico e diferente do que ela esperava. Passamos tanto tempo juntas em momentos absolutamente intensos e íntimos, que nos tornamos amigas um pouco depois.
Quando seu corpo começou a dar os primeiros sinais, ela entrou em contato animada. "Clara, você está chorando?". "São lágrimas de alegria", ela disse.
A doula pediu que ela descansasse, mas seus pródromos eram doloridos o suficiente para não deixá-la dormir. Seguiu assim por quase dois dias. No terceiro, quando finalmente entrou na fase latente, já dizia estar exausta. Ainda assim, se animou rapidamente e buscou energia dentro de si mesma. Definitivamente, uma mulher admirável.
A fase latente se estendeu mais que o habitual. A equipe ficou intrigada, redobrou o acompanhamento do bebê, mas manteve o plano original. O sonho estava de pé, o parto aconteceria em casa da forma mais amorosa e respeitosa possível.
Vinte e quatro horas depois ainda estávamos lá, revezando a soneca no sofá e o cobertor.
A fase ativa não chegou. Todas as suas características estavam presentes, mas a dilatação não passava de três centímetros. A equipe orientou, conversou, mostrou todas as opções. Seguindo as recomendações, nos deslocamos para o hospital. Ela chorou, sofreu física e emocionalmente com a transferência. O sonho começava a mudar de forma.
Antes que dissessem algo, ela mesma se consolou, rompendo nosso desconforto: "está tudo bem! Maria Eduarda vai nascer aqui. Estou com a equipe que eu confio e escolhi, vai dar tudo certo".
Depois de quase doze horas, exausta e precisando de descanso, ela pediu analgesia. Foi atendida. Dormiu por 20 minutos. Despertou, comeu, se hidratou e retomou a maratona. Como Duda ainda estava alta, a obstetra iniciou os exercícios de Spinning Babies.
Em algum momento, quando perdi a conta dos dias se passando, meu pensamento foi interrompido pela indicação de uma cesárea. Silêncio absoluto na sala. O único som era da vigorosa respiração daquela leoa exausta.
"Vamos", ela disse.
E fomos. Calada, chorava uma dor só dela. Encarava o chão e depois o teto, parecia estar conversando com Deus. Ou talvez com ela mesma.
Recebeu sua filha ainda entorpecida pelo desfecho inesperado da sua história. A conexão não foi imediata. Elas demoraram um pouco para se encontrar.
O puerpério também não foi fácil. Haviam falhas na rede de apoio e nem todos estiveram disponíveis tanto quanto se comprometeram a estar.
Quarenta dias após o parto avisei que o material estava pronto e que poderíamos assistir ao vídeo juntas, no tempo dela. Ela pediu paciência, disse que não estava pronta. Eu respeitei e a acompanhei de perto.
Mais um mês se passou e voltamos a conversar sobre as fotos e o vídeo do parto. Ela disse que não estava preparada para passar novamente por aquela jornada tão triste e penosa. Dessa vez, eu insisti. Meu coração e experiência gritaram que era o tempo certo. Marquei um horário e avisei que passaria em sua casa para levar um lanchinho e que estaria com o material, caso ela decidisse ficar com ele.
"Clara, eu acho que estamos no tempo certo. Acredito que é uma boa hora para você assistir ao vídeo do seu próprio parto. Mas, a decisão sempre será sua. Estou aqui pra você". Ela confiou e assistimos de mãos dadas - com a Duda deitada entre nós, acomodada em um ninho de almofadas, panos e duas gatas.
Choramos juntas. Ela, mais que eu. Sorrimos uma para a outra. Seguimos. O filme acabou e a tela ficou preta. Eu vi o rosto dela se contraindo no reflexo escuro da TV. Levantei para buscar água e do outro cômodo pude ouví-la vocalizando. Ela precisava tirar aquilo da garganta. Aquele entalo delgado que apertava o peito desde o parto. Durou alguns minutos. Quando terminou, eu retornei para a sala. Ela dispensou a água, nos abraçamos e conversamos muito.
"Obrigada, eu tinha esquecido dos momentos bons".
Essa frase me impactou e foi o que motivou esse texto. De tudo que passou, ela havia absorvido a dor, a exaustão, a frustração e a recuperação dolorosa. E esses foram os únicos sentimentos levados para o puerpério, acrescido da culpa de ter uma bebê linda e saudável nos braços e não estar totalmente feliz.
No filme, ela se viu dançando, sorrindo, gargalhando. Estava linda, plena, crédula. A dona da festa! A atração principal. Protagonista de um filme sem coadjuvantes. A dor era apenas dor, não era sofrimento. Até na maternidade, depois de longas etapas, ela se viu feliz. Fazendo graça.
Quando nos despedimos, ela agradeceu mais uma vez e disse que o filme seria sua terapia e que ainda o assistiria muitas outras vezes naquele mesmo dia.
Eu tinha um compromisso logo em seguida. Cheguei no café com olhos e lábios inchados. Precisei explicar que as imagens do parto - algumas vezes, têm um enorme potencial de cura. E que todas as vezes que isso acontece, cura algo dentro de mim também. Era choro de resiliência dessa vez.
Foram os dois melhores encontros da minha vida, por um longo período de tempo.
Beijo grande no coração de vocês e até a próxima!
Amanda Franco.
* apesar da mulher ter validado e autorizado o texto, achei ideal que os nomes da mãe e do bebê fossem mantidos em segredo, em respeito ao processo íntimo e intenso que vivemos após o parto.
Você pode acessar A importância da fotografia de parto para a mulher - Parte 1 aqui.